Virginia Aita / 2009

Instituto Goethe, 2009 - “Órbitas dos anos 80”
“Mauro Fuke: Esculpir Mundos possíveis”.
Virginia Aita        

 Impressões. Num primeiro momento, e sobretudo em seu período inicial, a obra de Fuke nos captura pela exuberância e espontaneidade de formas que e multiplicam e desdobram umas nas outras (portas e tampas que se abrem em texturas internas, apêndices, dobradiças, elementos que giram ou se ocultam em concavidades/reentrâncias) num vocabulário polimórfico, de anatomia orgânica e vegetal mimetizando formas da natureza ou ficcionais. Aqui a multiplicidade de configurações sensíveis, sugere um repertório de seres bizarros que evocam uma iconografia surreal (mais diretamente, o psicodelismo pop e hippie anos 70) e lembram vagamente a galeria de seres imaginários no livro homônimo de J.L.Borges, acenando uma aproximação oblíqua ao veio simbolista. Borges arrola um bestiário fantástico com descrições de seres que povoam mitologias e religiões, obras da imaginação literária (Homero, Shakespeare, Flaubert e Kafka) ou ainda um fabulário de elfos e gnomos. Ordenados alfabeticamente, como nas enciclopédias, desfilam diante do leitor como estranhos seres de um “manual de zoologia fantástica”.   
                 Já Fuke, com a mesma índole imaginativa, parece remeter a um realismo fantástico de ascendência surrealista, na deformação anatômica, nas justaposições anacrônicas de ‘colagens’ em imagens de forte conteúdo simbólico, mas ainda na surpresa e ironia que sugerem aproximações com a fase inicial (surrealista) de Giaccometti, Man Ray, René Magritte, ou mesmo Hans Arp. No entanto, como assegura o próprio artista, essas referências são inadvertidas, só mais tarde vai tomar consciência e se apropriar criticamente desses elementos assimilados e já diluídos da história da arte. Parece antes responder a uma impregnação pelo imaginário da cultura pop.
                      No entanto, a inquietação com essa profusão de formas e texturas que lhe escapam ao controle, como se levado pelo fluxo cambiante das sensações e o apelo sedutor da matéria a uma desagregação e entropia crescentes, força-o a uma guinada na direção contrária. Agora é a consistência da forma, um princípio de ordem, estruturas complexas capazes de absorver a dispersão da matéria que o estimulam numa busca obsessiva. Surgem então suas investigações e aplicações metódicas de cálculos matemáticos para geração de volumes e definição de designs e modelagens a partir de programas digitais, isso com o propósito mais ou menos expresso de controlar virtualmente, ou o que o vale, idealmente a manufatura da forma que confina e delimita concisamente, com pequenos desvios, a matéria.
                   Mas o que é sobretudo surpreendente, é constatar o comprometimento com a verdade do processo e a integridade do artista nesse movimento de autreflexão: a franqueza com que examina o próprio percurso, sem omitir soluções que se tornaram fáceis para o seu exímio domínio técnico e artesania da madeira. O que o desafia e motiva sua pesquisa de aplicativos é a complexidade e o mistério das formas da natureza, a estrutura dos fractais, as ramificações em cadeias da biologia molecular e sistemas emergentes. É precisamente esse movimento de descolamento do que se tornou habitual e perdeu o desafio do desconhecido, que vai lhe permitir aparar arestas e redefinir sua poética, lançando mão de dispositivos matemáticos e regras de geração e modelagem de volumes numa clara intenção de recuperar consistência e a unidade objetiva em formas concisas e lapidadas, em soluções estruturais cada vez mais complexas sugerindo um certo contrutivismo, e a assimilação disciplinada de lições da agenda minimalista (formas elementares e módulos organizados em progressões seriais).
                 A questão que me parece mais significativa para situar sua obra, no entanto, é antes o fim com que são usados esses dispositivos matemáticos de configuração da forma na geração de volumes, pois é a intenção implícita nessa escolha que nos revela o artista. Isso certamente nos remete, como brevemente mencionamos, ao seu processo e a especulações que extrapolam a técnica (necessidade de objetivação da forma). O que transpira aqui são questões que em algum ponto tangenciam a vida: a perplexidade curiosa diante da ordem misteriosa da natureza, as indagações existenciais que se projetam como exigência de consistência formal e semântica articulando a obra. Em última instância, o que buscam não é senão redefinir/reprocessar uma identidade artística que se faz como reflexão sobre o próprio processo e a memória de uma experiência que é também a da sua geração e do seu tempo, da sua cultura e dos legados ancestrais que reverberam em sua poética.
                Isso parece também ecoar, de uma parte, a criatividade passiva ou receptividade silente, oriental, de quem se deixa conduzir pelas texturas e densidades da matéria num artesania diligente (do mesmo modo que os ideogramas/nanquins chineses impõe a espessura dos pinceis, a granulação do papel e a leveza do traço em gestos precisos, aqui a madeira parece lhe impor seus desígnios para revelar lentamente suas superfícies e entranhas). De outra, na rapidez e agilidade na absorção de novos códigos e a sujeição desses as suas próprias intenções e urgências expressivas típicas da cultura e sociabilidade brasileiras, e traço característico da geração 80 que se vale indiretamente, numa apropriação mediada por valores locais, dos ícones da Transvanguarda e do Neoexpressionismo alemão.

Neoexpressionismo/geração 80. Mas sem dúvida isso indiretamente coloca questões sobre as apropriações diferenciadas dos artistas dessa retomada do expressionismo pela geração oitenta, característicamente associada a figuras chave do neoexpressinismo alemão como Kiefer, George Baselitz, e ainda Christo, Middendorf, Salomé, os selvagens alemães, etc revisitados pelos artistas da Casa Sete, a transvanguarda, ou os americanos como Julian Schnabel,  Eric Fishel, David Salle, etc.
               Como observa Arthur Danto, pelo menos com relação ao que ocorria nos EUA, o neoexpressionismo não pretendia retomar um momento anterior da história da pintura, ao contrário marcava um gap/ lacuna ou transição na continuidade dialética de movimentos e agendas que defiram a narrativa moderna. Em meio ao boom do mercado das artes e da economia na era Reagan, ironicamente Douglas Crimp declarava em 1980, o fim da pintura tal como a conheciam. Essa produção como ele mesmo diz ao freqüentar as suntuosas exposições de Schnabel e Salle no Sohho, mostravam exatamente “o que não se esperava que viesse a seguir”, ou seja, elas exemplificavam uma descontinuidade. Esse vácuo de agendas e ideologias, e obviamente, de diretrizes claras, levava os artistas a voltarem-se para suas próprias inquietações e a questão que parecia urgente, senão a única alternativa viável era a autoexpressão, diante desse cenário controverso de questionamento de valores e referências.
               A poética de Fuke, no entanto, parece se sedimentar a partir dessa confluência, mas de modo lateral e refratário a essas adesões, motivada antes e sobretudo pela sua intensa busca individual de conjugar extremos como a multiplicidade do seu imaginário pop/surreal e texturas sensoriais com a concisão da forma, a aparência com a estrutura, a imprevisibilidade com o rigor. 
Fases/percurso e analogias formais. A conjunção de circunstâncias que conspiram para o aparecimento do artista no inicio dos anos 80 é curiosa e nos ajuda configurar os elementos que definem sua fase inicial em que se antecipam traços que serão decisivos e irão pontuar sua trajetória.   Alguns autobiográficos, outros escolhas deliberadas, como a identificação com a cultura pop, a produção contemporânea e o influxo de tendências internacionais. É interessante observar um traço de personalidade talvez, que desde o início marca sua história: uma certa rebeldia que o levou a sair de casa na adolescência e aderir à experiência alternativa hippie, produzindo peças de elaboração meticulosa, como caixinhas porta jóias, pingentes e outras peças expostas por praças, cidades e praias. Essa qualidade meio beat e urbana, que parece precisar rodar mundo, sem confinar-se ao formato profissional institucionalizado sem antes enriquecer a experiência, abrir trilhas, deambular para então achar seu lugar. Uma rebeldia que ainda o faz fiel a suas convicções pessoais, um compromisso com a liberdade de pensamento e expressão que lhe permite seguir intuições, sem constrangimentos ideológicos ou intimidações de tendências. Mas que ainda, o leva a preservar com zelo a sensibilidade educada em sabedorias artesanais, legado da família de japoneses, as técnicas de polimento da madeira, a carpintaria, e o exímio equilíbrio do design . O que já nos diz um pouco desse modo oriental, parcimonioso e paciente de lidar e compreender o tempo em suas medidas sutis.
              Nessa época (1983-86) suas esculturas exploram com propriedade uma variedade de materiais (madeiras, ossos, marfins, cerdas e couro), mais pela particularidade das texturas sensíveis e possibilidades expressivas que encontram plena correspondência em sua técnica apurada. No entanto, a isso se soma um profuso imaginário ficcional, que ecoa imediatamente a cultura pop e, digamos, uma iconografia do rock (Yes, Pink Floyd) e da linguagem midiática psicodélica, com vôos lisérgicos, do momento (Carlos Castaneda, revista planeta, etc). Mas também, como disse antes, uma espécie de realismo fantástico muito próximo do surrealismo, sugerindo um certo automatismo no uso de símbolos inconscientes e ainda as máquinas de humor Dadaístas que ressoam em seus organismos-máquinas-brinquedos cheios de encaixes, sobressaliências, dobradiças, que atiçam a curiosidade e convidam a interação lúdica. Aqui são quase irresistíveis as analogias formais, embora inavertidas, com Giacometti em sua fase inicial surrealista (Throat, Cage, Table surrealiste) mas também Magritte com suas justaposições anacrônicas e colagens de partes de seres diversos gerando uma verdadeira taxonomia de seres imaginários. “Especulativo, o artista não deixa de se perguntar sobre a origem de tudo, sobre as articulações do real lá demonstradas, ou ainda ocultas, até secretas, sobre acoplamentos e disjunções, cópulas, inseminações, germinações, dispersões e emergências, fusões, e fissões, partos e além de tudo sobre destinos individuais e coletivos” diz Scarinci .
              Ora, isso me parece enfim significar para Fuke o único correlato do expressionismo que marcou a sua geração, seu modo próprio de dar voz e corporificar suas crenças, estados subjetivos, perplexidades e convicções num vocabulário sensorial exuberante em que o conteúdo parecia desbordar a forma em suas múltiplas configurações. São também desse período obras como Time II, uma caixa/receptáculo de tempo, que contem uma pequena caixa de música com hastes que percutem em cordas e numa caixa de ressonância metaforizando o ritmo do tempo. No entanto esse excesso de elementos, gera uma assimetria entre forma e conteúdo, num desequilíbrio beirando o caos expressivo que o incomoda - e é justamente em contraposição a isso que direciona a produção seguinte.

Cabeças. Todavia, com sua série de Cabeças (1986-90) parece estender a fase anterior com suas referências surrealistas pois insere imagens hiperrealistas de forte conteúdo simbólico e conotações psicológicas em composições anacrônicas que se destacam pelas formas híbridas. Esse conflito de formas naturalitas e estéticas parece ecoar outra ordem de conflitos, existenciais e pessoais e nesse sentido são expressivas.
Design de superfícies. Já, a partir de 1993-95, ocorre uma guinada com significativa simplificação dos volumes em objetos esféricos, ovóides, superfícies projetadas como estruturas arquitetônicas com refinado trabalho de marchetaria. Começa aplicar programas computacionais agora para projetar superfícies a partir de módulos, e explorar os efeitos inusitados que provocam na percepção dos objetos, pois essas superfícies subvertem a forma: o plano aparece como côncavo, e o convexo como plano ou côncavo e assim por diante, sugerindo ilusões de ótica nos padrões das superfícies. Aqui é chave a ressonância do trabalho com repetições de padrões em superfícies de Carl Andre.
                O uso de relações numéricas para estruturar formas tridimensionais se baseia em séries como as progressões geométricas, aritméticas, logarítmicas e principalmente, da progressão de Fibonacci. Fuke costuma usar de duas ou mais ordenações formais numa só obra e repete como um mantra a frase que inspira esse método: “O Caos é uma sucessão de diversas ordens”. Ou ainda, como um minimalista de carteirinha, o que certamente ele não é, constata que “O processo é uma máquina de fazer arte”, possivelmente de autoria de Sol Le Witt que reflete claramente a estrita agenda minimalista, e o interessa particularmente. Essa identificação ao minimalismo impõe reservas, ao que me parece porque Fuke nunca preteriu a questão da autoria e da execução em que aspectos de manufatura e uma artesania de materiais específicos com suas idiossincrasias é reintroduzida no seu processo idealizado digitalmente. Mas também pelo formidável impacto perceptual da sua obra induzido pelo apelo estético..
                 Em comum com o minimalismo certamente está o fato de ambos tomarem a experiência da espaço/tempo como indissociável da consciência da presença do corpo, a despeito da sua ênfase nas texturas dos materiais, no processo e na complexidade de suas formas. Em contraposição ao minimalismo, o formato literal, minimal do objeto que dependia do uso de materiais industriais, portanto, baseado em simples formas geométricas concebidas previamente à sua execução, bem como a incorporação da cópia e da repetição com unidades pré-fabricadas como tijolos (Carl Andre) ou lâmpadas fluorescentes (Dan Flavin).
 
Estruturas articuladas móveis. A partir de 1986 passa a predominar a intenção de encontrar princípios formais capazes de organizar a matéria, modulando-a em elementos mais simples que se articulam em formas compostas, móveis e reajustáveis. Trata assim de desenvolver estruturas articuladas que se utilizam do mecanismo pantográfico que se expande no espaço através de hastes de madeira calculadas matematicamente com software digital, mas que sempre incorporam um elemento de indeterminação e surpresa na sua execução artesanal, como mostram as suas obras GARRAS, Garrinha I e II. Já em 2001 cria uma estrutura similar com o titulo Árvore que parece gerar ramos que mantém entre si as mesmas proporções. São ainda formidáveis as possibilidades combinatórias das obras Sspheere (em exposição junto com Pooun) e Snakes (imagem) que passam de estruturas planas a estruturas mais tridimensionais, se desdobram e se reconfiguram num quase contorcionismo da forma e voltam a se fechar numa esfera, repetindo o padrão da cobra flexível que morde o próprio rabo.
Desvio minimalista. Aqui é evidente a sua busca de referência e apropriação deliberada de elementos do minimalismo americano, sobretudo Carl André no tratamento modular das superfícies, explorando a idéia das séries com repetições de elementos que permitem a formação de estruturas padrões. Mas é também importante observar o impacto da obra de Sol Lewitt, que o próprio Fuke assegura ter um papel decisivo para sua poética, pois permitiu resolver questões como a exuberância inicial que gerou problemas de consistência da forma que então perdia vibração e potência expressiva por falta de unidade/objetivação. A supersimplificação e desmitificação com esses módulos que se replicam gerando padrões complexos que faz Lewitt parece ter proporcionado o álibi necessário para Fuke repensar suas estruturas com mais liberdade de combinações e jogos formais sem se ater a implicações simbólicas, miméticas ou de conteúdo narrativo. Mais precisamente idéia de “não autoria” dos minimalistas, gera uma exposição em 1999, e um trabalho na Bienal do Mercosul . “A Escada” que é a mais radical neste sentido. A partir de um degrau de uma escada padrão, parte de 3 medidas: altura, profundidade e largura numa planilha de cálculo com fórmulas de progressão geométrica e aritmética para que gere 100 degraus, coloca estas medidas num software de manipulação 3D e monta uma escada, no qual não tem participação na execução. Outros trabalhos usando esse mesmo procedimento, que parte de um gerador de forma seguido de uma tabela numérica dimensionando as peças, são as Esferas/Sspheere de 2000 e Arvore de 2001. Parece com isso recuperar a consistência estrutural em obras com uma diversidade de configurações e elementos sensíveis que de outro modo se desfiguraria ou perderia a tensão entre estabilidade da forma estrutural que as define e a instabilidae das combinatórias e movimentos em se desdobra. Essas experiências o aproximam da arquitetura e design onde a conformação depende antes de dados objetivos como escala humana e a ergonomia.
 Mas o que eu entendo que ocorre exatamente aqui, nesse desvio de acento minimalista, é o uso de um contraponto extremo ao seu envolvimento sensível com a matéria que enfim lhe permite um exercício de liberdade formal, ajustando questões estruturais do seu trabalho numa fatura mais concisa e sintetizada, como vemos em obras mais recentes (2006) como flat cube I e II (em que é clara a ascendência de Sol Lewit!).
               O artista observa contudo, que essa sofisticação de dispositivos tecnológicos na execução não exclui ou desqualifica a abordagem da sensorialidade no tratamento das superfícies e peculiaridades do material.  Ao contrário, a aplicação das Teorias da Complexidade, principalmente em sistemas emergentes (sistemas complexos, que se auto-organizam, sem a necessidade de um comando central) o levou a elaborar projetos cada vez mais meticulosos e precisos, usando softwares de modelagem 3D, sem nunca dospensar ou negligenciar uma exímia execução que essencialmente se funda na artesania.
Pooun (exposta junto com SSphere). É justamente para evitar o impasse do projeto se resolver praticamente de modo virtual, que Fuke vai então retomar a artesania da escultura tradicional, o carving sem projeto ou programa prévio mas antes seguindo sugestões da impressão direta da matéria em formas mais orgânicas e simples, geradas de dentro para forma a partir da própria textura e densidade da madeira. Lembra aqui os ingleses Henry Moore e Bárbara Hepworth que articulam a estética inglesa do “direct carving”, fazendo no próprio ato de esculpir a mediação entre figuração e abstração, entre Surrealismo e Construtivismo que define a fatura característica desse tipo de escultura.

Oposição/Dicotomias:
Vou me deter agora em alguns traços característicos e recorrentes no trabalho de Fuke. O primeiro e mais evidente parece ser o fato de que esse trabalho em todo seu percurso é marcado enfaticamente por oposições recorrentes de rigor e imprevisibilidade, forma necessária e contingente, leis físicas e matemáticas e acaso, repetição de padrões e o randômico, o orgânico, a textura polimórfica da matéria e o geométrico, o estável e o transitório, a escultura/objeto e as malhas modulares descentradas, a estrutura fixa e o movimento, contensão e distensão, crescimento linear e a possibilidade pluridimensional (cito ainda aqui a contribuição chave de Justo Verlang para a compreensão da obra de Fuke que gentilmente me concedeu numa longa conversa enunciando com mais precisão essas mesmas oposições: as “leis da física e matemática frente ao acaso, a repetição dos padrões e o randômico, a organização e o caótico na natureza, o geométrico, o orgânico, e sua conjugação, o estável e o transitório, o movimento, o previsível e a surpresa, a tensão estruturante e a prostração devido à gravidade e inércia, o crescimento linear e a possibilidade pluridimensional”).
               Em ultima instância o Fuke que faz é problematizar a oposição primeira entre aparência (superfície estética), textura fenomenológica/sensorial e forma estrutural para justamente nessa tensão, contabilizando e valendo-se desses conflitos num movimento de autoreflexão sobre o próprio processo, rearticular e adensar sua poética que paulatinamente parece se resolver absorvendo essas dictomias aparentes em ordens mais complexas. O que se pode considerar como um adensamento progressivo da sua poética, surge assim como uma franca atitude de concisão, compactação e desdobramento da forma em malhas articuladas com repetições modulares.  O desvio da agenda expressionista/anos 80 para a agenda minimalista que o leva ao design é assim fundamental, pois vai justamente suprir princípios formais/unidade, economia de recursos plásticos, e o enxugamento e simplificação da fatura.
Objeto e estruturas dispersas. Outro aspecto que me parece notável é um progressivo descentramento e dispersão da forma/estrutura em malhas e composições articuladas na medida em que sua elaboração se sofistica. O que era antes a escultura como um objeto real no espaço (como em Picasso e Brancusi), contido num volume, e fundamentalmente uma estrutura nuclear, centrada, como feixe de atributos, parece agora se reportar àquela idéia dos sistemas emergentes, sistemas complexos que se auto-organizam, sem a necessidade de um centro. Ou ainda no sentido plástico sugerem a projeção de composições descentralizadas em all over, só que agora em 3d.  Assim recorre também à idéia dos fractais, em obras que envolvem elementos simples que repetidos em séries se tornam complexos, com muitas articulações, podendo configurar-se de inúmeras maneiras, evocando, sob esse aspecto, as séries progressivas de Sol Lewit. Já Fuke, sem nunca eliminar totalmente a imprevisibilidade e a contingência que sempre reaparecem no momento da execução, os imprevistos são incorporados como por exemplo o efeito da gravidade em peças que “desabam”. 

Conclusão. O que vemos aí parece uma tentativa de criar ou dar um corpo a objetos/estruturas que povoam um mundo de ficções, formas ideais ou projeções high tec emprestando-lhes uma articulação e complexidade de organização que faz desses máquinas inteligentes, organismos ou notações, partes de uma natureza não mecânica mas inteligente e animada. Objetos que funcionem como catalizadores de uma experiência única, absorvente e inusitada, em que a manipulação e os jogos da percepção suscitam uma realidade expandida, rasurando o limite entre o natural e o artificial. Parece assim criar com suas obras esses mundos possíveis que se inserem no nosso espaço real, mas que ainda interagem, e operam como roteiros para uma aventura perceptiva, abrindo essas passagens a novos modos de perceber e articular o real. Retomando essa noção em Nelson Goodman (no clássico Ways of Worldmaking), mundos possíveis não são mais que versões de mundo construídas a partir da perspectiva de linguagens que articulam um todo coerente, sob um determinado sistema de referência. Assim, víamos os céus e o movimento dos astros, no sistema coperniciano como a terra movendo-se em torno do sol, e justamente o contrário no Ptolomaico. Do mesmo modo Goodman diz de sua mulher, uma artista a quem dedica esse livro, “que faz mundos com aquarelas”, amplificando nossa percepção ao refazer/redescrever a mobília do mundo em seu registro sensível. Com efeito não há nada como o mundo em si :
 “ O mundo pode ser tomado/considerado como muitos mundos, ou, muitos mundos podem ser tomados como um único; um ou muitos depende somente de nosso modo de considera-los ( ... ) Nós estamos confinados a modos de descrever o que quer que seja. Nosso universo por assim dizer consiste antes nesses modos do que em um mundo ou em vários  mundos ( ... ) As descrições alternativas do movimento ... fornecem apenas  um exemplo pálido da diversidade de explicações do mundo. Muito mais impressionante é a grande variedade de versões e visões nas diversas ciências, nas obras de diferentes pintores e escultores, em nossas percepções informadas pelas mesmas, pelas circunstancias, e pelos nossos próprios insights e experiências passadas”(WWW, p.2,3)


               Mas a pergunta imediata que se segue do título é: Porque ‘esculpir’ e não ‘construir mundos possíveis’ como normalmente se expressa essa locução na filosofia contemporânea? Constroem-se conceitos, teorias, máquinas, mecanismos, tecnologias, constructos abstratos, construir é o modo operandis da técnica, do conhecimento sistematizado, da ciência. Constroem-se objetos minimais sem qualquer traço da mão do autor, e ready-mades que se fundam no conceitual e na escolha. Mas esculpir assim como pintar, tem um resíduo de manufatura, do direct making, de artesania, e de intencionalidade irredutível - imanência, que transfere pulsões e conteúdos psíquicos direto da mente/espírito para a mão do artista ....Sem dúvida aqui o idioma tátil da escultura é chave porque ancora a construção imaginativa e geométrica da obra nas texturas da percepção, no solo sensível.
             Essa é a ambiguidade, a tensão permanente dessas esculturas que não são apenas belos designs, mas a corporificação sensível, o design de uma idéia que pretende ocultar na sua precisão e organicidade todo cálculo e a maquinaria que o produziu, “como se fossem um simples produto da natureza” arquitetados por um designer cósmico, como diz Kant no §45 da KU. Kant insiste que a beleza da arte, movida por uma intencionalidade livre de interesses práticos, é assim livre da coerção de regras e preceitos “como se fosse um belo espetáculo da natureza”, quando na verdade sabemos da intenção, das narrativas e do artefato que a produziu. Mauro parece fazer arte como quem se inquieta e se fascina tentando desvendar a misteriosa tabela numérica que arquiteta o real, o que de certo modo o reintegra pacificamente na vertiginosa complexidade da natureza.