Entrevista - Felipe Caldas/ 2012

Entrevista concedida à Felipe Caldas, em 2012
Mestrando orientado pela Profa. Ana Carvalho - IA/ UFRGS

(P) Gostaria que o senhor começasse falando como que foi a sua formação artística.
Bom, minha formação... minha formação acadêmica é o IA. Instituto de Artes, eu estudei lá acho que ano 81, 80, 81. Só que o meu trabalho já vinha de bem antes, já tinha uma formação lá em casa, de mexer com material, tinha esse contato com o fazer mesmo. Desde pequeno, em função da minha família, da minha mãe principalmente. E o IA me deu essa formação mais acadêmica, de ter algum tipo de conhecimento, de percepção, percepção e história da arte. E o contato com os colegas.

(P) E como é que era ambiente no Instituto de Artes?
Eu percebia... quer dizer, tinha, da minha parte, uma percepção de que o que eu fazia como trabalho manual, de trabalho em madeira que eu já fazia antes de entrar no IA, aquilo não era arte. Arte pra mim era uma outra coisa que eu iria aprender lá no Instituto de Artes. E minha outra percepção que eu tinha, não sei se... eu acho que ocorria, que vender não era uma das coisas mais louváveis. Vender não era uma coisa... ganhar dinheiro com arte não era muito aceitável. Pelo menos era a percepção que eu tinha. Mas como meu trabalho de madeira que eu fazia antes de entrar no IA era uma fonte de renda pra mim, eu vendia sim aquilo pra algumas pessoas que já compravam em feira hippie, feira de artesanato, e até comecei a vender pra alguns professores lá no IA. Até que vários professores começaram, “ah, mas por que tu não desenvolve isso aqui mais?” Então daí que começou o meu trabalho andar mais, sem pensar que aquilo era uma coisa e a arte era uma outra coisa. Então daí foi mais fácil pra mim.

(P) E desde o princípio tu já começaste trabalhando com madeira, ou o senhor fez outras investigações em outras áreas?
Pois é. Tinha, que nem eu te falei, de ter essa formação acadêmica, eu tinha um trabalho lá em desenho, né, que eu achava, aquilo é arte, o meu trabalho em madeira é outra coisa, é artesanato, é outra coisa. Então tinha isso. Mas no fim eu fui meio que deixando o desenho de lado e fui só trabalhar mais com escultura e madeira mesmo.

(P) E quais são os seus artistas de referências? E o senhor tem algum artista daqui que o senhor considera que foi uma referência na sua formação?
Quando eu... porque pra mim a arte sempre... eu não podia ter uma atividade sem estar ligado a remuneração, tinha que ter... pra mim sempre tinha a necessidade que isso fosse fonte de renda. Então eu olhava para o cenário gaúcho ali naquela época, eu via o Chico e o Vasco, de uma maneira ou outra, vivendo de arte. Eu falei assim, “ah pô, se eles conseguem eu também ia conseguir”, se eu me esforçar e tal. Então isso que era a minha... E referência assim... bom, naquela época a recém estava naquela, um pouco, vivendo aquela história de contra cultura, momento hippie, então tinha, antes de entrar no IA, tinha o imaginário dessa cultura hippie, cultura de contra cultura, anos 60. Então é capa de disco de Yes, Pink Floid, aquela parte bem surrealista lá de Salvador Dali, aquelas coisas. E com o tempo lá que tu vai estudando, tu vai lendo mais. As outras referências foram mais lá no final dos 80, que eu comecei a ter contato com alguns escritores, teóricos da história da arte, que naquela época também coincidiu que a biblioteca do IA comprou vários livros. Não sei se tinha algum problema, eles receberam vários livros. Rosalind Krauss, tinha uma outra que eu esqueci o nome. Mas principalmente Rosalind Krauss, que chegou, eu vi... acho que tinham dois ou três livros dela que foram bem importantes pra mim.
Aquilo foi legal assim. Aí eu fui me interessar muito pelo americano. Principalmente o Sol Lewitt, que são trabalhos assim, formalmente, completamente opostos ao que eu faço, ou fazia na época, né. Mas eu acho que justamente por isso que eu fui me interessar tanto por ele, assim, porque era uma coisa completamente distinta, tanto formalmente quanto de conceito.

(P) E como que o senhor percebia o cenário na década de 80 aqui em Porto Alegre?
A visão é que o mercado estava super sedento dessa produção mais jovem. Tanto que eu... Bom, e também o meu trabalho meio que se distinguiu assim, da produção da época. Tinha trabalho de artesanato de fazer o manual que não era muito visível na época. Eu já trazia isso de antes. Então o meu trabalho teve um destaque na época. E eu fui logo expor na galeria Tina Presser, na época, e foi uma loucura assim, porque eu vendia muito. Tinha, tipo, chegava a ter fila de espera pra minha produção. E coincidiu também que teve a exposição Geração 80, no Rio de Janeiro, que a gente participou. Aqui do Rio Grande do Sul foi eu e a Karin Lambrecht e em seguida daí teve convite pra expor no Rio, convite pra expor em São Paulo. E eu vendia muito. Mesmo em São Paulo, mesmo no Rio. E fila de espera pra vender, sabia? Aquilo mexeu demais com a minha cabeça, porque como eu tinha te dito antes, vender não era uma das coisas mais louváveis nesse ambiente que eu estava vivendo aqui. Parecia um pouco que eu tinha me vendido ao sistema. Tinha uma ideia meio assim, sabe? E isso me deixou com muito... eu também não tinha estrutura, assim, profissional pra ter um tipo de demanda tão alta em relação ao meu trabalho. Porque arte pra mim era uma coisa mais assim... sei lá, não era vender. Aquilo era um pouco estranho pra mim. E ter essa demanda todo pela meu trabalho me deixou muito assustado. E fiquei tipo, dez... depois desse início assim, tão movimentado, eu fiquei quase dez anos sem expor em galeria. Continuei produzindo, mas sem expor em galerias. E atendendo esse monte de encomendas que tinha. De encomenda não, mas de fila de espera. Então ali nos anos 80 eu acho que era, para o jovem artista, era muito mais... eu acho que era mais fácil de se inserir no circuito, porque o circuito estava com uma demanda, estavam muito abertos pra essa produção mais jovem.

(P) O senhor destacaria uma exposição que o senhor marcaria, ou um momento específico que o senhor achou assim, sua carreira começou aconteceu a partir dai?
Foi uma exposição que eu fiz simultânea, São Paulo e Porto Alegre, sabe, que se vendeu tudo, e saiu matéria em revista, na Veja, matéria nas revistas de arte. E fila de espera. Assim, só que eu não tinha estrutura pra... não é nem atender, mas pra ter esse tipo de demanda em relação a minha produção. Não tinha, sabe? Não tinha cabeça, não tinha... era muito jovem pra isso, eu estava com vinte e poucos anos.

(P) O senhor se lembra o título da exposição e os locais?
Aqui em Porto Alegre foi na Tina Presser, e em São Paulo na galeria Arte Forte Contemporânea. Era uma galeria muito forte, na época expunha Leda Catunda, Leonilson.

(P) E como é que surgiram os convites pra expor nessas galerias?
Acho que foi muito em função da Geração 80, e por uma matéria que saiu na revista Veja. Porque naquela época a revista Veja tinha um crítico chamado Casimiro Xavier de Mendonça, que era um cara muito influente, no circuito de arte da época. Ele acho que chegou até a ser curador de uma bienal, alguma coisa assim, e ele tinha os contatos com as galerias, ele me indicou pra várias dessas galerias.

(P) E as galerias procuraram o senhor?
Foi.

(P) E ainda em relação ao cenário de Porto Alegre, como é o que o senhor vê a principal mudança, ou uma grande mudança do cenário naquele momento, década de 80, final da década de 80, para o cenário de hoje?
Eu acho que o mercado aqui no sul ele foi diminuindo assim, não sei, foi diminuindo o movimento, foram diminuindo até as galerias, as exposições. Eu não sei bem muito quais as razões que levaram a isso. E também o preço dos trabalhos, que dos artistas que foram lançados na geração 80, claro que com a idade esses valores foram subindo. E chega uma hora que acontece o seguinte assim, o trabalho começa a valer um certo valor e o público que as vezes não conhece a arte, fica assim receoso de comprar, investir num trabalho que ele não conhece muito. Então também acho que faltou um pouco de, por parte do mercado, da formação do público. Eu acho que a bienal do Mercosul vem preencher um pouco essa lacuna, sabe? Mas mesmo assim criou uma distância grande entre da produção e do mercado consumidor. Eu não sei bem por que criou essa lacuna, que eu acho que antes não existia de uma maneira tão visível como eu vejo agora. Assim, não sei se é isso, mas sei lá.
Mas assim, tem uma classe econômica Assim, que consome arte, que tem condição de comprar, que não compra, não por falta de dinheiro, não compra por outras razões. Não é falta de dinheiro. Isso eu tenho certeza, porque o mercado imobiliário continua bombando aí. Então eu não sei bem quais as razões que levaram a esse distanciamento.

(P) Eu conversando com a professora Elaine Tedesco, ela me citava o senhor falando sobre os diversos mercados, que ela conversara com o senhor e o senhor dizia pra ela que existiam vários mercados. Eu gostaria que o senhor falasse um pouquinho dessa ideia de vários mercados.
Eu posso falar do exemplo, que uma vez eu tive expondo em Curitiba, lá tinha um artista que já tinha participado comigo da Geração 80, e chegando lá, a gente sempre em contato, vai sair pra jantar e tal, e ele falando que era um nome muito... que tinha um trabalho muito importante e tal, mas era um nome que não aparecia no circuito brasileiro. Só que ele tinha um mercado lá numa galeria na Alemanha e outra no Japão, e frequentemente ele expunha nesses espaços no exterior. Só que no Brasil ninguém, praticamente era zero assim, sabe? Ele vivia em Curitiba, achando que Curitiba estava muito grande pra ele, e Curitiba na época era muito tranquila, só que pra ele era muito grande, e que ele ia morar numa praia no interior, no litoral paranaense. E de fato aconteceu isso, ele foi morar numa prainha, lá no litoral do Paraná. E eu soube que ele continua mantendo essa carreira, expondo na Alemanha, no Japão e tal. Então o que eu queria dizer com esse negócio que tem muitos mercados, que cada artista tem o seu mercado, cada artista forma o seu mercado, ou forma a sua maneira de sobreviver num cenário assim. É que nem uma ecologia, que nem, tu pega uma floresta, cada animal vai ter que achar um jeito de sobreviver naquela floresta. Não é só esse circuito visível que a gente vê, bienal, galeria, revista de arte. Não é só isso. Essa é a parte visível, que é a parte mais assim... é, a parte mais visível, dá pra falar. Mas eu acho que cada artista tem o seu espaço, tem o seu mercado, tem o seu público, só que fica as vezes seduzido por essa coisa visível, de bienal, de galeria de arte, de colecionadores e tal. Mas eu acredito, sempre acredito que, como cada artista a sua produção, cada produção tem o seu espaço, assim, e tendo o seu espaço, tem a sua maneira de ganhar dinheiro, de sobreviver. Não é essa coisa visível que a gente vê sempre aí na mídia.

(P) Não lhe incomoda mais, como aquele início que lhe incomodava um pouco essa ideia de vender arte ? Como é que o senhor passou a superar isso?
Ah, sabe que isso foi acontecer recentemente, assim, ter uma tranquilidade em relação ao que eu faço e como que isso é transformado em dinheiro. Como eu vendo aquela minha produção. Porque há uns três anos atrás, eu e a Lia, a gente montou uma empresa pequena, chamada Tun, que faz acessórios de borracha, e em função dessa empresa eu tive que fazer alguns cursos de formação, SEBRAE, ler sobre marketing, administração de empresa, e isso me deu uma clareza, a respeito de... tem uma diferença entre arte e objeto de arte, sabe? A arte é aquela coisa que a gente idealiza, que a tem os nossos conceitos, que tem os nossos ideais, que tem os nossos pensamentos, essas coisas que a gente vai colocando sobre o trabalho. Mas o objeto de arte não, é uma outra coisa que custou um tanto pra fazer, tu teve que pagar aluguel, teve que pagar material, teve que pagar as vezes um assistente, ou uma empresa que fizesse alguma coisa, e aquilo tem um custo e um valor de venda. Essa clareza de que objeto de arte tem custo, e tem um preço final que tu tem que pagar aquele custo e ainda ter um lucro pra ti poder sobreviver, isso que me deu essa clareza. Então não dá pra fazer arte sem... ou tu tem uma outra fonte de renda que não precisa pensar no teu custo, nos teus orçamentos, pra chegar no final do mês poder pagar todas as contas, ou tu tem que pensar assim, como um objeto de arte que tu tem que pagar todas as contas e ainda tirar um lucro pra ti, depois, poder viajar, comprar um livro, etc, etc. Então esses conhecimentos de marketing, de administração de empresa, isso tudo foi super importante pra mim ter essa distinção entre arte e objeto de arte. As vezes são bem próximas, as vezes são bem distintas. Mas tu tem que ter essa clareza que, ou é pra ganhar dinheiro, ou tu faz por amadorismo.

(P) Como é que a sua relação com as galerias privadas? O senhor está trabalhando com alguma galeria no momento? O senhor chegou a fazer contratos de exclusividade?
Eu tive assim, basicamente trabalhei com duas galerias. No início da carreira com a Tina Presser, e depois com a Marga, lá da Bolsa de Arte. Nunca fiz contrato. O contrato de exclusividade não era contrato, era uma coisa verbal que tinha. Um acordo verbal de exclusividade. Na Tina, eu trabalhei com a Tina quando estava assim, no início, que deu esse movimento super rápido. E foi bom. Depois assim, chega uma hora que mantenho relações com as duas galerias. Mas agora eu acho um pouco exagerado essa comissão que as galerias pedem, 50%. E também eu vejo a relação galeria artista um pouco contraditória. A contradição que eu digo é quando, se por um lado a galeria gostaria de te ver valorizado, que o teu trabalho subisse de preço, que tu atingisse outros mercados, outros países até, no caso, por outro lado ela não quer que aconteça isso, porque se acontecer isso ela pode também perder o controle sobre a tua produção. Então é sempre uma coisa contraditória, quer e não quer, sim e não, sabe? Então eu senti isso muito. Quer ir expor em São Paulo, mas não quer que vá, porque... tá bom, assina o contrato, mas não quer assinar porque ela não quer ter um... Então tem uma relação meio contraditória ali. Pelo menos nas relações que eu tive, com as galerias. E no momento agora eu não estou trabalhando com galeria nenhuma.

(P) Gostaria que o senhor falasse dessa relação entre artista e colecionador.
Já tive vários assim, colecionadores. Tiveram vários casos, médicos, economistas. O Justo, que é mais visível, porque ele é do circuito. Ah... São pessoas que se apaixonam pela sua produção, se identificam com o que tu faz, ou com o teu discurso, ou com... e querem comprar tudo assim, é uma coisa meio maluca. Isso eu não sei nem como entender assim direito, porque é tipo uma paixão que dá, e a pessoa quer adquirir tudo que tu faz. Não sei assim, como falar mais assim. Não sei.

(P) Tu chegaste a construir amizade com eles, com alguns deles?
Isso é inevitável, porque como são pessoas bem sucedidas nas suas carreiras, sua vida profissional, e criam amizade sim, acaba freqüentando a casa, acaba falando, falando da sua produção, se o trabalho é mais importante, menos importante. Esse tipo de coisa acaba rolando. Ou então também, como são pessoas que são bem sucedidas, tem algum tipo de influência, algum determinado setor da economia, ou de alguma maneira podem ajudar a divulgar a tua produção, essa coisa. Então isso acaba acontecendo ao natural, porque é do interesse mútuo que isso role.

(P) Conversando com a Elaine, ela me dizia que talvez pudesse pensar que o sucesso de mercado, na verdade deveria pensar o sucesso com os colecionadores, porque é a partir dali que a coisa poderia acontecer. Tu compartilhas dessa visão?
Eu não diria assim tão colecionador, porque por exemplo, quando eu trabalhava com galeria, de uma maneira mais intensa, assim, com as galerias, na verdade a produção ficava... a venda do meu trabalho era bem pulverizada, assim, tinha bastante gente comprando assim. E acho que... não sei, eu não posso dizer que é só colecionadores. É que nem eu disse, cada artista tem o seu jeito de ganhar, o seu jeito de veicular a sua produção, né, de tornar visível.

(P) E como é que foi a sua relação com a crítica de arte?
Te disse que no início teve esse crítico lá da... essa pessoa que escrevia lá pra Veja, revista Veja, lá nos anos 80, né, que ele se aproximou bastante, assim. Ele também se aproximou de todos os artistas da época. Então era um cara bem ativo no circuito da época, nos anos 80. Tinha influência nas galerias mesmo. Isso me ajudou bastante. Mas depois não, foram coisas bem mais esporádicas. Mas o que mais me marcou realmente foi o Casimiro Xavier, foi bem intenso assim. E ele tinha uma atividade intensa.

(P) Bom, eventualmente o senhor faz grandes trabalhos, né. Como que o senhor lida com os ajudantes? O senhor contrata eles? Como é que é essa relação do senhor artista, e ao mesmo tempo quase que um empresário?
Ah, esses grandes trabalhos que eu faço, que necessitam de sair do meu ateliê e trabalhar com outras pessoas, outras empresas, nunca é por minha iniciativa, é sempre demanda externa. Ou é um concurso, ou é a bienal, ou é um evento público. Não é nunca um projeto meu, que eu vou lá atrás de recurso e patrocínio. Nunca aconteceu assim. Mas eu lido bem, com essa parte de... esse de trabalhar com terceiros, outras empresas. Eu acabei fazendo esses cursos de SEBRAE, de empreendedorismo e tal, e eu vi que eu tenho um certo jeito pra isso, eu consigo lidar bem nessa área.

(P) O senhor poderia comentar um trabalho que foi significativo, nesse sentido de lidar com uma série de pessoas, de ajudantes, de empresas, que o senhor acha que poderia compartilhar?
Bom, tiveram vários. Esses trabalhos grandes não são frequentes assim, são bem pontuais. O primeiro trabalho grande foi, por exemplo, o mural que eu fiz lá no aeroporto. Que eu tinha já feito o mural da Vasco da Gama, e teve aquele concurso do aeroporto. E naquela época eu tive que desenvolver um programa de computador pra fazer a diagramação daquele desenho lá no painel, sabe? Então eu tive que pedir auxílio para o pessoal de informática, pedir auxílio para o engenheiro, pra desenhar uma parte no AutoCad, tive que pedir... E depois mais, além disso, tinha que ter uma empresa contratada pra fazer um trabalho que nunca ninguém tinha feito. Bom, enfim, todas essas questões, assim, essas demandas que não são do meu controle absoluto, fica dependendo de terceiros. Então tu tem que correr atrás, tem vários imprevistos, tem várias coisas que não dão exatamente como tu imagina. Então isso tudo é legal assim de fazer, porque tu vai correndo atrás, vai resolvendo um problema aqui, um problema ali, o fornecedor que não tinha a cor certa de pastilha, ou o programa de computador que não rodou do jeito que deveria. Enfim, tem várias coisas que vão acontecendo que tu tem que ir resolvendo. Então isso é legal de fazer, porque tu... é um pouco como se fosse um empresário que inventa um produto novo e tu tem que dar um jeito de produzir aquilo num certo período, com um custo razoável, e lançar ele no mercado. Um outro trabalho que eu fiz, grande, foi esse da... foi no ano passado, que foi um projeto lá da RBS.
Atmosfera. Então quando o César Prestes, que era o curador desse evento, ele tinha me dito que tinha um projeto, isso há bastante tempo atrás, e eu não dei muita importância praquilo, e fiz um projeto meio sem muita pretensão, assim, só pra atender ao César, que eu conheço já há bastante tempo, achando que aquilo não ia ser feito, que não ia andar, sabe? E aí passa um ano, até mais de um ano, um ano e meio, ele me liga e diz, “olha, vai sair. Vai ter dinheiro. Vai ter tudo isso”. Aquilo me deixou completamente assustado, porque eu não tinha feito projeto nenhum de viabilidade, projeto estrutural de nada. Foi assim, uma coisa maluca e com prazo, tipo, cinco dias pra fazer aquele negócio.

(P) Que é dos canos?
É, dos canos. Então foi uma loucura total. Nós viramos acho que três noites, e um monte de problemas acontecendo. A gente fez o trabalho num galpão que nós deram, da Trensurb. E eu tinha um projeto inicial lá que eu achava que tinha que ser feito em quatro partes pra poder sair pelo tal caminho. Só que no meio daquela loucura toda, me esqueci desse negócio, a gente montou meia esfera inteira, e na hora de sair, quem disse que saia? Porque o tamanho da porta era muito menor que o tamanho do trabalho. Aquilo foi uma loucura, porque aí tivemos que cortar de novo a peça, e botar no caminhão de um jeito completamente precário. Aquilo foi uma loucura total. Então, agora a gente combina, pra fazer uma proposta tem que pensar muito. Vai que alguém diz, “vai sair”, né.

(P) O senhor chega a manter um auxiliar, fixo no seu ateliê?
Não. Já tive auxiliar fixo, mas agora não.

(P) O senhor se considera, hoje, um empreendedor?
Sabe que isso que eu te falei desses meus estudos, essas coisas, tive que estudar e aprender outras coisas que eu te falei, de marketing, tudo, eu acho que tudo isso, principalmente marketing, é pra mim uma forma de auto conhecimento. Assim como arte... Aliás, na verdade tudo é auto conhecimento. Tu te conhecer, conseguir ver o mais claro possível onde estão as suas deficiências e onde estão as suas facilidades. A lição que eu tiro disso é nunca se deixar seduzir pelas tuas qualidades, e se esforças pra tu tentar suprir as tuas deficiências. E eu acho que a arte é isso. A tua produção artística é isso. E o marketing é isso também. Quer dizer, o marketing num sentido mais assim, denso, assim, não esse marketing de vender coisas. Não é vender coisas, mas isso de tu valorizar o que tu tem de mais, mas tipo, é uma coisa assim, de tu trabalhar pra tu ter um equilíbrio entre as tuas deficiências e as tuas qualidades. É isso que é a lição que eu tiro disso. De qualquer coisa que tu faça. Isso inclui ser artista. Artista e empreendedor são muito próximos, porque na verdade tu inventa um objeto do nada, ou inventa uma produção artística sei lá da onde, das tuas vivências, das tuas memórias, das tuas afetividades e tal, e inventa a produção. E o empresário também é isso, ele inventa um produto a partir do que ele gosta, do que ele sabe fazer, e daí vai à luta. Então é isso, artista, empresário são bastante próximos. E depois ele tem que se virar pra vender, pra arranjar o comprador, pra veicular, pra arranjar um lugar onde expor, onde vender. Tudo isso.

(P) Você pode falar um pouquinho como funciona o seu dia a dia de trabalho?
Bom, o dia a dia de trabalho agora anda dividido entre a Tun e a minha produção de ateliê. E agora tem também outras atividades, eu tenho uma ligação lá com a Fundação Gaia, então nós temos um projeto lá, espero que a gente consiga fazer, daqui um tempo. Tem um projeto mais estruturado, por enquanto são só cursos que eu tenho dado lá na Fundação Gaia. E tenho o meu trabalho no ateliê de madeira, e tem a Tun. E eventualmente tem um trabalho de pastilha, que eu faço.

(P) Como é sua experiência de dar aula?
Pra mim, eu tive um período, dei aula durante dois anos lá no IA, como professor substituto. A melhor coisa de dar aula no IA é dar aula. E a pior coisa de estar lá no IA em reunião de departamento. Então, se não fosse reunião de departamento, eu continuaria, com certeza, a dar aula no IA. Mas aquela situação, aquela coisa da... não é nem burocracia, mas aquele sistema de serviço público, aquilo lá, pra mim, é insuportável.

(P) Como é que surgiu a produção dos móveis ?
É que trabalho em madeira e mobiliário são bem próximos. Mas o primeiro trabalho com mobiliário que eu fiz foi assim, tipo um empurrão do Xico Stockinger. Porque o Xico foi o primeiro cara que comprou uma escultura minha, assim, logo que eu comecei eu levei uns trabalhos lá pra Tina Presser, assim, pra ela dar uma olhada e tal, o Xico apareceu lá e disse, “quero comprar esse negócio”. E comprou umas duas peças minha. A gente começou a ficar mais próximo, porque ele sempre agregou muita gente jovem, gente que estava começando a carreira, gente que se interessava por escultura, sempre ele agregava ali em volta do ateliê dele. E chamava, incentivava, dava algumas dicas, falava umas bobagens, chamava pra fazer a feijoada, aquelas coisas. Convidava pra ir no ateliê dele, e tal. Um dia ele, “tem que fazer um móvel junto. Tem que fazer uma cadeira pra mim”. Tanto encheu, tanto incomodou, que eu acabei fazendo a cadeira. E depois disso eu fiz uma série de cadeiras e móveis. Mas foi um período assim.

(P) Para o senhor o que é ser um artista profissional? E tem uma diferença entre ser profissional, num grande eixo, e ser profissional aqui em Porto Alegre?
Eu acho que agora eu me sinto não profissional. Amador, agora, porque não é dali que vem o principal pra mim, falando em termos de dinheiro. Agora vem mais da Tun. Então isso me deu uma liberdade grande, de eu não ter essa pressão de ter que vender o que eu faço, sabe? Isso pra mim foi libertador. Porque antes, durante, sei lá, desde os anos 80 até 2005, 06, foi isso que me sustentou. Em certos momentos muito bem, em certos momentos de uma maneira muito precária. E ter essa pressão de vender o que eu faço no ateliê, e pensar que eu tenho que terminar esse trabalho amanhã pra poder, na semana que vem, mostrar pra fulano pra ele poder comprar, ou não, sei lá. Esse tipo de preocupação nunca foi confortável pra mim. E só fui ter clareza de por que não é era confortável pra mim, há pouco tempo. Porque na hora que tu está lá criando, trabalhando, tu não está pesando que aquilo vai custar tanto, tu está gastando tanto de material, tu está levando tanto tempo. Esse tipo de preocupação, pelo menos na minha produção, não passava ali, na hora da execução de um trabalho, toda criação. Aí chega lá no final, com o trabalho pronto, tu tem que incluir essa parte aí no jogo, que é uma parte que não estava fazendo parte. Isso sempre foi desconfortável. Aí eu fui entender por que, né. Quer dizer, eu acho que é por isso, porque isso não está no jogo, não fazia parte do jogo. Então agora, com isso, me possibilitou eu tirar realmente, descartar essa parte do jogo que me incomodava. Então isso me foi libertador .

(P) Então o senhor diria, que para ser profissional o individuo deve realmente ganhar dinheiro suficiente pra sobreviver?
É, sabe que há um tempo atrás eu vi uma entrevista da Adriana Varejão, e ela tem uma grande estrutura no ateliê dela. Não sei, são umas dez... não sei se dez, eu sei que tem um número lá de sete, oito assistentes, secretária, telefonista, sei lá.
Aaí ela falava assim, que antes, quando ela entrava no ateliê ela tinha, em mente, que naquele dia ela ia ter que produzir tantos metros de tela. Eu acho que essa postura é uma postura de um artista profissional. Que ela sabe quanto que vai produzir, que no final do mês ela vai ter tantas telas, que essas telas valem tanto, que ela vai poder vender em média tantas telas, que isso vai render tanto, que ela vai poder pagar aquela estrutura que ela tem lá. Aí sim eu acho profissional. Mas agora, que nem no meu caso, eu acho que a maioria dos artistas que estão lá no ateliê, não estão pensando quanto aquilo está custando, quanto tempo ele vai levar, quem vai pagar a conta do aluguel do ateliê, quem vai pagar a conta... Essas coisas, não está dando bola pra isso, e está lá só pintando uma tela, esquecendo do resto, aí não é profissional. Não que isso seja ruim ou bom, mas é uma postura que a gente tem que ter clareza quando vai entrar nesse negócio. Ter uma clareza disso, que eu não tive. Eu fui ter há pouco tempo, assim, que é ganhar dinheiro, não é ganhar dinheiro, essa coisa assim que é necessária. Não é que é importante, mas é necessária, de pagar aluguel do ateliê, saber quanto que custo o teu material, quanto tempo está levando. Eu acho que a postura da Adriana é assim. E isso é uma atitude que ela... ela tem uma estrutura e tem que manter aquela estrutura. É uma empresa. Então aí eu acho que está bem mais... está mais... qual é a palavra? Está mais de acordo. Não tem contradições ali, parece, né. Está bem mais redondo.

(P) Bom, fala-se muito na aproximação entre arte e vida, no campo da arte. Nas ciências sociais fala-se muito de uma aproximação entre trabalho e vida, como se não houvesse mais uma diferenciação. Na sua rotina o senhor consegue fazer uma diferenciação entre arte, trabalho e vida, ou essas esferas acabam se confundindo?
Não, aí é que nem eu disse, acaba que fica uma só. Não tem diferenciação. Há um tempo atrás eu li uma matéria que dizia que, como agora no Brasil nós temos emprego, as pessoas tem a possibilidade de escolher o que vão fazer, mais do que apenas pelo lado monetário. Que isso permitiu as pessoas pensarem aonde que elas iam se sentir mais confortáveis trabalhando. E no fim acaba que é isso, assim, tem que te fazer uma coisa que tu te apaixonas, que tu... porque acaba que o trabalho não é trabalho, o trabalho é uma atividade que te dá prazer. Inclusive te dá dinheiro. Então acaba que é uma coisa só, no fim das contas.

(P) Bom, alguns artistas ou alguns intelectuais, enfim, algumas pessoas, pensando no Fábio Cipriano, no caso agora, falam muito mal do mercado de arte, ou desse boom dos últimos anos no mercado de arte, em termos de Brasil. O que o senhor pensa sobre isso?
Olha, é que nem eu te disse antes ali. Se a tua produção, se o teu fazer artístico está focado nessas galerias que estão ativas, nas feiras de arte que estão correndo o Brasil, lá fora, e a tua produção... tu está interessado nisso, tu tem que saber as regras desse jogo, e se tu está disposto a se sujeitar as regras desse jogo. Não pode estar lá no seu ateliê trabalhando, sem saber quanto tempo está levando, essas coisas assim, sem saber quanto custa, e depois ir lá e ver se alguém vai gostar de ti, ou o curador vai te achar no meio daquela exposição coletiva. Não, não pode pensar assim. Tem que estar bem mais consciente dessas regras que estão em jogo.

(P) Bom, tem mais alguma coisa que eu não perguntei para o senhor gostaria de falar? Sobre sistema de arte, profissionalismo, a partir da sua carreira, a partir da sua vivência ?
O que eu acho legal é que, na verdade, o que se busca assim, o individuo busca é um equilíbrio. É auto conhecimento, equilíbrio, e que isso, no fim, acaba implicando em que cada artista, cada indivíduo tem o seu espaço, o seu modo como ele vai se movimentar nesse sistema. Mas esse cenário que a gente tem é do mundo contemporâneo hoje. Isso não quer dizer ir pra uma feira, ir pra uma galeria tal, ou sair naquela revista. Pode ser isso também, mas pode não ser. E isso não implica ter menos sucesso ou mais sucesso. Implica que cada um fique feliz porque achou o seu... Isso que é o mais difícil e é o mais bonito ao mesmo tempo. Porque tu saber como te locomover, como te posicionar nesse mundo, como que tu vai falar, como que tu vai vestir, que música vai escutar, que trabalho tu vai fazer, como tu vai ganhar dinheiro, isso cada um é cada um, sabe? Isso que é o legal. Não ter um padrão de comportamento, ou um padrão de sucesso. Isso que eu acabei fazendo agora, e fico muito feliz de me ver buscando isso. Em algumas coisas conseguindo, em outras não, mas sempre indo atrás disso. Isso que eu acho que é o mais importante. Tu ir buscar o que tu é, não ficar olhando, “ah, fulano fez sucesso assim, então quero assim”. Não é assim. Não funciona assim. Não vai se dar bem assim.
E não vá atrás do cara lá que diz que faz assim. Cada um que vá atrás do seu. Isso que é legal.